Textos em Jornais


Joinville que Queremos26/10/2013 | 09h04

Pluralidade e a formação das novas gerações

A educação ajuda a conservar a cultura, mas ao mesmo tempo precisa estimular a transformação. Este é o grande desafio atual


ALEXANDRE FERNANDEZ VAZ

A educação é o difícil processo de incorporação das novas gerações a um mundo que já existe muito antes de elas nascerem. Não é sempre algo pacífico e indolor, já que transmitir uma cultura e civilizar exige entregar corpo e espírito, resignadamente ou não, às gerações precedentes.

Eis um paradoxo que foi identificado pela filósofa Hannah Arendt: a educação conserva a cultura, mas ao mesmo tempo precisa lidar com a importante necessidade de que os novos neste mundo a transformem. Sem isso, não haveria avanço, transformações a que nos convida a imprevisibilidade do futuro. 

Se as culturas são diferentes no tempo e no espaço, a educação é uma constante sem a qual a vida humana e sua tentativa de perpetuação não seriam possíveis. 

As crianças e jovens são geralmente educados pela família, nas suas muitas formas de organização, mas também pelos meios de comunicação, pelos aparelhos culturais que uma cidade pode oferecer aos seus habitantes, como bibliotecas, museus, teatros, cinemas, galerias, parques, entre tantas possibilidades. 

Crianças e jovens são educados, no entanto, principalmente pela escola, onde permanecem durante muitas horas do dia, às vezes desde os quatro meses de idade até completarem dezoito ou mais anos. 
Muito se fala do fim da escola, que teria se tornada anacrônica pelo fácil acesso a informações, em especial pelos meios digitais que estão à disposição de todos. Mas é exatamente aí que a escola se torna mais importante, absorvendo esses meios, mas também os criticando, tornando-os ferramentas importantes para o aprendizado. Uma sociedade sem escolas seria apenas barbárie, lançando cada um à própria sorte na indústria do entretenimento.
A escola que conhecemos é uma instituição moderna, e seu caráter público, laico e de qualidade, destinada a todos, é resultado das revoluções burguesas e do pensamento iluminista. Quando passamos em frente a uma creche ou escola, é bom lembrarmos que é principalmente nela que as crianças e jovens vão aprender o que é o mundo, como ele funciona pelos enunciados da ciência, das artes, da ética, das práticas corporais. 
Letras e números, narrativas históricas e leis da física e da química devem conviver com o aprendizado para a vida pública, para a política, aquela prática retórica que, desde os gregos, se preocupa com a cidade: experiência da diferença, da opinião, da pluralidade, da tolerância, do convívio com o outro, tudo que faz distanciar-se da violência.
Na sociedade contemporânea, a educação é responsabilidade do Estado, mesmo quando é oferecida por serviços privados, religiosos ou não, que têm que seguir normas e códigos públicos. Deriva daí a enorme importância do poder municipal, o principal responsável, no Brasil, pela educação infantil e pelos primeiros anos do ensino fundamental.
Governar a cidade demanda que sejam oferecidos equipamentos culturais para todos e exige, especialmente, boas escolas. Isso vale para qualquer município, mas se torna questão ainda mais estratégica para uma cidade como Joinville, cuja potência está também em sua vocação cosmopolita. Nossas crianças e jovens precisam estar à altura dos desafios da complexa globalização que experimentamos: cuidar do quintal de casa, do local, mas sabendo que ele é força e índice de processos universais.
Elas têm o direito e o potencial de aprender bem a língua nacional e também outros idiomas, de conhecer, operar e apreciar as ciências, os esportes e as artes. É na escola, principalmente, que isso pode acontecer. Então valorizemo-la em cada bairro, por menor que ela seja, transformando-a em um lugar que vale a pena frequentar, sem violência e com ensino desafiador, oferecendo o devido crédito ao trabalho do professor e à carreira do magistério. 
A escola é um direito e uma responsabilidade de todos nós porque a formação das novas gerações está a nosso encargo. Enfrentemos, com destemor e alegria, esse desafio.
Alexandre Fernandez Vaz é doutor em ciências humanas e sociais pela Leibniz Universität Hannover, Alemanha; professor da UFSC, Florianópolis; pesquisador do CNPq.

                                                                                                                                                         



Lançamento do cinema25/10/2013 | 21h11

Leitor do Diário Catarinense faz crítica sobre o filme brasileiro Serra Pelada

Dirigido por Heitor Dahlia, produção estreou nos cinemas de Santa Catarina nesta sexta-feira


Leitor do Diário Catarinense faz crítica sobre o filme brasileiro Serra Pelada tv zero/Divulgação
Foto: tv zero / Divulgação
Serra Pelada — o filme, o Brasil 

Em 1980 dois amigos de infância, já adultos, partem de São Paulo rumo ao Norte do país, atraídos por uma fantasia alimentada de boca em boca e que repentinamente se tornaria assunto diário nos telejornais. Não fosse pelo fato de um deles deixar a mulher grávida em casa, estariam em situações bem semelhantes: Joaquim (Júlio Andrade) fora demitido do cargo de professor de escola, Juliano (Juliano Cazarré) tinha um agiota fungando-lhe o cangote. 

O destino é Serra Pelada, cadeia de montanhas que também dá nome ao filme de Heitor Dahlia, com suas promessas de fartura de ouro e enriquecimento em um Brasil que vivia os últimos anos da ditadura cívico-militar e os primeiros da década perdida, com inflação galopante e poucas oportunidades. 

Brasil profundo, com todas as suas asperezas, Serra Pelada foi um marco do fim de uma era, último suspiro (antes do pré-sal) da crença no Brasil das riquezas infinitas. Um faroeste com todos os ingredientes: gente estropiada, pistoleiros, gângsteres bem vestidos, negociatas, álcool e mulheres supostamente à disposição. Conta-se que houve quem trocasse todos os dentes por peças feitas em ouro, que prostitutas ficaram ricas, que a Aids encontrou solo fértil no formigueiro humano que subia e descia a montanha: multidão migrante imortalizada por Sebastião Salgado e que surge no filme em imagens às vezes granuladas ou simulando o tecnicolor dos anos 1980. 

"Eu gostei de matar", diz Juliano, depois da primeira estocada no estômago de um rival. Logo a faca vai sendo trocada por armas de fogo cada vez mais potentes, divisor de águas da maquinaria de poder que o fascina e o torna um rival à altura de Coronel Carvalho (Mateus Nachtergaele) e Lindo Rico (Wagner Moura). Maquinaria que inevitavelmente o afasta de Joaquim, sócio reduzido a um "formiga" depois de conflagrar-se com Juliano. Então, as condições para a vingança estão postas, neste lugar que o "Professor" insiste em dizer que "piora as pessoas" e que por isso, depois de achada a pepita sonhada, quer abandonar. Mas não será fácil deixar o mar de lama e sangue, onde a todo momento se namora com a morte. 

A montanha que viria abaixo, como uma "pirâmide ao contrário" traga a amizade, assim como será palco da reconciliação possível. 

Com narrativa semelhante a dois clássicos filmes de Martin Scorsese, Os bons companheiros e Cassino, o filme se segura com ótimos atores, aos quais se soma a linda Sophie Charlotte, como a ex-prostituta Tereza. Os personagens, no entanto, à exceção do de Juliano Cazarré e até certo ponto do de Wagner Moura, parecem às vezes esquemáticos, sem a complexidade que o tema oferece. Bem realizado, ainda que com roteiro (de Vera Egito e do próprio Dhalia) linear e um tanto previsível, o filme merece ser visto. É a expressão ficcional de um episódio dos mais importantes para o Brasil da segunda metade do século vinte, feito com capricho cenográfico e ritmo vibrante, mostrando uma experiência que levou muitos ao limite do sonho e da frustração, quando não à morte - e ao gosto por ela.


                                                                                                                                                         




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