30 de setembro de 2012. | N° 1632
CINEMA
Arte de decantar A ALMA
Cineasta Michelangelo Antonioni completaria cem anos neste sábado
Giovanni
(Marcello Mastroianni), um importante e admirado escritor, e sua mulher
Lidia (Jeanne Moreau) vivem, depois da tarde de desencontros, a noite
numa festa em casa da alta burguesia italiana. Os desencontros
continuam, inclusive com a presença de Valentina (Monica Vitti), a filha
do anfitrião. Sem saída, entregam-se todos à precariedade da própria
existência. Trata-se de “A Noite” (1961), segundo filme da conhecida
“Trilogia da Incomunicabilidade”, de Michelangelo Antonioni. Trama
relativamente banal, mas que não fica impune nas mãos e sob os olhos do
grande diretor. Se a arte ainda é a possibilidade de expressão das
grandes questões da humanidade, então o filme mostra toda a sua
singularidade ao dizer algo, mesmo sem comunicar, sobre a angústia de
viver. Era assim naqueles anos sombreados pela ameaça da catástrofe
nuclear. Antonioni completaria cem anos neste sábado, e seu cinema lento
e pictórico, cujos ecos estão em realizadores como Wim Wenders e o
nosso Walter Hugo Khouri, talvez seja ainda mais
essencial do que antes.
Em longa e reconhecida carreira, iniciada em 1943 com um sensível documentário sobre os moradores do Vale do Pó, na Itália, Antonioni foi um mestre da arte de decantar a alma humana. Em direção distinta daquela do neorrealismo, movimento com o qual esteve no início, o cineasta nascido em Ferrara elaborou, como poucos, personagens e enredos cuja complexidade sempre foi potencializada pela composição imagética. Foi assim com as belas atrizes e os belos atores a interpretar, mesmo que discretamente, as bordas dos mal-estares, das dúvidas, da melancolia. É o caso da famosa trilogia, composta ainda por “A Aventura” (1960) e “O Eclipse” (1962), mas também de filmes muito diferentes entre si, como “O Deserto Vermelho” (1964), “Zabriskie Point” (1970), “Profissão Repórter” (1975), o “Episódio de Eros” (2004) ou “Blow-up” (1966). Encenado em uma Londres de experimentações em que a fotografia embaralha ficção e realidade, “Blow-up” tem origem em um conto de Julio Cortázar, “As Babas do Diabo”. Um fotógrafo captura inadvertidamente uma imagem. Terá sido um crime ou um beijo, duas práticas tão sedutoras ao olhar. Como o cinema de Antonioni.
“A anticinematografia deste filme concede-lhe a força de expressar, como que com olhos ocos, o tempo esvaziado de conteúdo”, escreveu certa vez Theodor W. Adorno sobre Antonioni, ao comentar “A Noite”. O cineasta homenageara o filósofo, citando-o, brevemente, em uma fala de Giovanni. Cortázar, Adorno, o século vinte na literatura e na filosofia. Entre eles, soberano, o cinema de Michelangelo Antonioni.
*Alexandre Fernandez Vaz é professor da UFSC e pesquisador do CNPq.
Em longa e reconhecida carreira, iniciada em 1943 com um sensível documentário sobre os moradores do Vale do Pó, na Itália, Antonioni foi um mestre da arte de decantar a alma humana. Em direção distinta daquela do neorrealismo, movimento com o qual esteve no início, o cineasta nascido em Ferrara elaborou, como poucos, personagens e enredos cuja complexidade sempre foi potencializada pela composição imagética. Foi assim com as belas atrizes e os belos atores a interpretar, mesmo que discretamente, as bordas dos mal-estares, das dúvidas, da melancolia. É o caso da famosa trilogia, composta ainda por “A Aventura” (1960) e “O Eclipse” (1962), mas também de filmes muito diferentes entre si, como “O Deserto Vermelho” (1964), “Zabriskie Point” (1970), “Profissão Repórter” (1975), o “Episódio de Eros” (2004) ou “Blow-up” (1966). Encenado em uma Londres de experimentações em que a fotografia embaralha ficção e realidade, “Blow-up” tem origem em um conto de Julio Cortázar, “As Babas do Diabo”. Um fotógrafo captura inadvertidamente uma imagem. Terá sido um crime ou um beijo, duas práticas tão sedutoras ao olhar. Como o cinema de Antonioni.
“A anticinematografia deste filme concede-lhe a força de expressar, como que com olhos ocos, o tempo esvaziado de conteúdo”, escreveu certa vez Theodor W. Adorno sobre Antonioni, ao comentar “A Noite”. O cineasta homenageara o filósofo, citando-o, brevemente, em uma fala de Giovanni. Cortázar, Adorno, o século vinte na literatura e na filosofia. Entre eles, soberano, o cinema de Michelangelo Antonioni.
*Alexandre Fernandez Vaz é professor da UFSC e pesquisador do CNPq.
*ALEXANDRE FERNANDEZ VAZ
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