domingo, 10 de fevereiro de 2013

A NOTÍCIA - 26 de janeiro de 2013. | N° 1746Alerta


FONTE: HTTP://WWW.CLICRBS.COM.BR/ANOTICIA/JSP/DEFAULT2.JSP?UF=2&LOCAL=18&SOURCE=A4022487.XML&TEMPLATE=

BIOGRAFIA

Aonde foram as utopias?

Em biografia, Fernando Gabeira funde sua trajetória aos grandes eventos políticos brasileiros das últimas décadas


Os últimos 40 anos viram a presença constante de Fernando Gabeira na cena política nacional, quase sempre como coadjuvante, mas nem por isso com pouca importância. É muito bem-vinda, portanto, sua autobiografia, o recém-publicado “Onde Está Tudo Agora? Minha Vida na Política” (Companhia das Letras, 2012).

Não é sempre que alguém escreve suas memórias de forma a expor mais do que a própria vida, dando conta de pensá-la como expressão das questões de um tempo. É o que faz Gabeira, sem escamotear as dificuldades e insuficiências de sua trajetória, reconhecendo que não há outra opção senão alinhavar as recordações em torno das tantas expectativas não satisfeitas. Sem deixar de mencionar episódios ambíguos ou equivocados de sua vida pública (a entrada na clandestinidade, a passagem aérea da quota parlamentar para uma das filhas, uma aliança com o DEM), o autor e personagem é bastante generoso consigo mesmo e com a memória que pretende forjar. Talvez seja justo e ele o mereça.

O livro nos ajuda a entender algo das últimas décadas a partir do testemunho de alguém que viveu os sem-sabores da política, mas também a excitação constante que ela comporta. Além dos anos de vida pública, a narrativa inclui a infância em Juiz de Fora e a jovem vida adulta em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, quando vai se delineando a paixão pela política e pelas letras. Ela desaguará nos ofícios de jornalista e político, exercidos por Gabeira ao longo dos últimos 50 anos, alternadamente ou de forma sucessiva.

Diferentemente dos conhecidos “O Que é Isso, Companheiro?”, testamento de uma geração e que foi escrito, como disse José Guilherme Merquior, “com graça”, e “Crepúsculo do Macho”, quase não há ironia na narrativa de Gabeira, mas melancolia, interpretação, justificativas. Tampouco há amargura. A guerrilha e o longo exílio são contados com distanciamento analítico e proximidade afetiva, tempos de descobertas políticas e pessoais que se arrematam no retorno ao País com a anistia.

Surge da experiência do exílio e da reavaliação da luta armada a perspectiva de uma nova política que pudesse unir a mirada ecológica com aquela de coloração socialista, a dobradinha estratégica, tomada como modelo da Alemanha, entre verdes e vermelhos. Com o Partido Verde e o Partido dos Trabalhadores, a luta vai da sociedade civil ao jogo eleitoral, movimento em que o autor equilibra-se com alguma desenvoltura.

Gabeira representou durante muitos anos algo novo na política, uma esperança de frescor crítico para a esquerda. Aos poucos, foi tomando parte do jogo jogado no Brasil, com algumas candidaturas a cargos executivos, nenhuma exitosa, e quatro mandatos como deputado federal. O frescor continuou, mas a luta ficou embaralhada nas incertezas que sucederam a queda do socialismo realmente existente e a redução da política nacional a mero jogo fisiológico e eleitoral.

Se há no livro crítica, autocrítica e compreensão do processo histórico recente, não é com ressentimento que são tratados o Congresso, o PT, os políticos mais profissionais. Nem mesmo contra José Dirceu há mágoa, apesar da justa acusação de que o partido no governo não fez as reformas que dele se poderia esperar no modus operandi da política. Dirceu e Gabeira se encontraram algumas vezes no Congresso Nacional quando ambos eram deputados. O primeiro havia abandonado o PT, o segundo deixara o cargo de ministro-chefe da Casa Civil e tentava se defender de acusações de corrupção que, anos depois, o levariam a uma condenação no Supremo Tribunal Federal. Foi um chá de cadeira que Gabeira tomou de Dirceu o fato que selou, simbolicamente, sua saída do PT. Décadas antes, ele tomara parte no sequestro do embaixador estadunidense no Brasil, cuja liberdade foi trocada pela de 15 presos políticos da ditadura cívico-militar que aterrorizava o País. Isso tudo é relatado no livro. O que Gabeira, de forma elegante, não menciona é que um dos presos intercambiados era Dirceu.

Apesar de uma ou outra imprecisão do texto, o livro contribui muito para o necessário esforço de compreensão do Brasil contemporâneo, em especial o do último período de redemocratização do País. Ele nos convida, para além do exercício de uma boa leitura, a formular novas perguntas, já que as velhas se esgotaram junto com o modelo de política que, como mostram os últimos acontecimentos, foi para o brejo.

*Alexandre Fernandez Vaz é professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisador do CNPq.

ALEXANDRE FERNANDEZ VAZ*

Nenhum comentário: