Dos amores, de Roma:
Woody Allen
Alexandre Fernandez Vaz
(Professor
da UFSC; Pesquisador do CNPq – alexfvaz@uol.com.br)
Para Roma, com amor. Seria muito difícil encontrar um título mais sugestivo para o recente filme de Woody Allen, em cartaz em Santa Catarina. São as idas e vindas do amor, essa afecção da alma e do corpo, seu enredo; e a cidade aberta, como a chamou Rosselini, está na tela, ensolarada, caótica, antiga e contemporânea. Não apenas como palco, mas como personagem a deixar-se amar. Os planos abertos bem construídos não deixam dúvida de que o verão é a melhor estação para os visitantes em busca da fantasia do velho mundo e suas ruelas, comidas, praças, monumentos, paixões que se pretendem eternas.
O pitoresco está em toda parte, principalmente para os turistas norte-americanos, costumeiramente em apuros ao enfrentarem as diferenças culturais e se depararem com qualquer idioma que não seja o próprio. Estranhamento que o próprio Allen, longe de Nova York, compartilha. O quinto filme em menos de uma década que o diretor realiza na Europa é uma nova comédia a homenagear uma de suas grandes cidades, como foram Vicky Cristina Barcelona (2008) e Meia-noite em Paris (2011), assim como talvez Match Point (2005) e Scoop - O Grande Furo (2006), ambientados em Londres.
A fórmula de Para Roma, com amor, é a tantas vezes vista em filmes de Allen: personagens às voltas com seus desejos e os desatinos do acaso, as advertências da razão que felizmente não são levadas tão a sério, o irônico desprezo com a pseudointelectualidade, o vocabulário psicanalítico popularizado em conclusões toscas e absurdas, o marido neurótico e sua esposa analista.
O próprio diretor forma, com Judy Davis, o casal dominado pelas pequenas loucuras do marido. Eles viajam à Roma para conhecer o noivo da filha, jovem e simpático advogado envolvido em causas sociais, com quem o futuro sogro passa a maior parte do tempo em conflagração de ideias. O pai do moço, agente funerário dado a cantar óperas no chuveiro, torna-se uma obsessão para o norte-americano que, como ex-maestro e ex-diretor artístico de uma gravadora, pretende torná-lo, para horror inicial do filho e apreensão da mulher dona de casa, uma estrela.
O encontro nem sempre harmônico das duas famílias é apenas uma das tramas que vão se sucedendo sem que haja, propriamente, um encontro entre elas. Como os episódios de Decamerão, de Giovanni Boccaccio, obra em que Allen se inspira, o filme vai mostrando várias transições, nem tanto de uma época para a outra (o fim do medievo e o início dos tempos modernos, como foi para o grande escritor italiano), mas as da vida de cada um dos envolvidos nas paralelas histórias. É assim com o jovem casal de norte-americanos que recebe a sedutora amiga, especialista em desfiar lugares-comuns e impressionar com sua atrevida beleza. Ou com outro jovem casal, vindo do interior do país, ela professora, ele um pequeno gerente em que se aposta como futuro executivo, desestabilizado pelo acaso e pelos temores dele, pelo acaso e pelo sonho dela, vivido em um set de filmagem. O sonho é também do espectador, lançado a ele pela aparição de Ornella Muti, diva italiana muito bela a caminho dos sessenta anos, trazida por Allen, atriz interpretando uma atriz, depois de cinco anos sem aparecer em qualquer filme.
Não é diferente com o personagem vivido por Roberto Benigni, cidadão de classe média, medíocre e convencional, que se vê, de um momento a outro, transformado em celebridade. Sem entender o motivo de tão larga oferta de prazeres, mas não se furtando de desfrutá-los, Leopoldo vive por alguns dias a fantasia infantil da ausência de regras e restrições, um mundo inteiro à disposição de seus caprichos. Todo gozo e toda angústia daí advindos são representados com vigor pelo ator italiano. Dois grandes atores e diretores, Allen e Benigni fazem de Leopoldo um personagem sincrônico e complexo, entre o drama e a comédia.
Jovens sonhadores, a moça sedutora, a voz da razão, o tipo médionorte-americano centrado em sua cultura e nada mais, sem entender o que passa ao seu redor. São muitos os clichês e o diretor está, obviamente, ciente de todos ao abusar de cada um. É por isso que os subverte com ironia, caçoando deles e um pouco de si mesmo, estranho no paraíso. Woody Allen domina, como poucos, a linguagem do cinema.
O pitoresco está em toda parte, principalmente para os turistas norte-americanos, costumeiramente em apuros ao enfrentarem as diferenças culturais e se depararem com qualquer idioma que não seja o próprio. Estranhamento que o próprio Allen, longe de Nova York, compartilha. O quinto filme em menos de uma década que o diretor realiza na Europa é uma nova comédia a homenagear uma de suas grandes cidades, como foram Vicky Cristina Barcelona (2008) e Meia-noite em Paris (2011), assim como talvez Match Point (2005) e Scoop - O Grande Furo (2006), ambientados em Londres.
A fórmula de Para Roma, com amor, é a tantas vezes vista em filmes de Allen: personagens às voltas com seus desejos e os desatinos do acaso, as advertências da razão que felizmente não são levadas tão a sério, o irônico desprezo com a pseudointelectualidade, o vocabulário psicanalítico popularizado em conclusões toscas e absurdas, o marido neurótico e sua esposa analista.
O próprio diretor forma, com Judy Davis, o casal dominado pelas pequenas loucuras do marido. Eles viajam à Roma para conhecer o noivo da filha, jovem e simpático advogado envolvido em causas sociais, com quem o futuro sogro passa a maior parte do tempo em conflagração de ideias. O pai do moço, agente funerário dado a cantar óperas no chuveiro, torna-se uma obsessão para o norte-americano que, como ex-maestro e ex-diretor artístico de uma gravadora, pretende torná-lo, para horror inicial do filho e apreensão da mulher dona de casa, uma estrela.
O encontro nem sempre harmônico das duas famílias é apenas uma das tramas que vão se sucedendo sem que haja, propriamente, um encontro entre elas. Como os episódios de Decamerão, de Giovanni Boccaccio, obra em que Allen se inspira, o filme vai mostrando várias transições, nem tanto de uma época para a outra (o fim do medievo e o início dos tempos modernos, como foi para o grande escritor italiano), mas as da vida de cada um dos envolvidos nas paralelas histórias. É assim com o jovem casal de norte-americanos que recebe a sedutora amiga, especialista em desfiar lugares-comuns e impressionar com sua atrevida beleza. Ou com outro jovem casal, vindo do interior do país, ela professora, ele um pequeno gerente em que se aposta como futuro executivo, desestabilizado pelo acaso e pelos temores dele, pelo acaso e pelo sonho dela, vivido em um set de filmagem. O sonho é também do espectador, lançado a ele pela aparição de Ornella Muti, diva italiana muito bela a caminho dos sessenta anos, trazida por Allen, atriz interpretando uma atriz, depois de cinco anos sem aparecer em qualquer filme.
Não é diferente com o personagem vivido por Roberto Benigni, cidadão de classe média, medíocre e convencional, que se vê, de um momento a outro, transformado em celebridade. Sem entender o motivo de tão larga oferta de prazeres, mas não se furtando de desfrutá-los, Leopoldo vive por alguns dias a fantasia infantil da ausência de regras e restrições, um mundo inteiro à disposição de seus caprichos. Todo gozo e toda angústia daí advindos são representados com vigor pelo ator italiano. Dois grandes atores e diretores, Allen e Benigni fazem de Leopoldo um personagem sincrônico e complexo, entre o drama e a comédia.
Jovens sonhadores, a moça sedutora, a voz da razão, o tipo médionorte-americano centrado em sua cultura e nada mais, sem entender o que passa ao seu redor. São muitos os clichês e o diretor está, obviamente, ciente de todos ao abusar de cada um. É por isso que os subverte com ironia, caçoando deles e um pouco de si mesmo, estranho no paraíso. Woody Allen domina, como poucos, a linguagem do cinema.
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